segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Eleições e a “falta de consciência” dos eleitores



Encerraram-se as eleições municipais. Não que isto tenha representado para mim algo extraordinário, em si mesmo. Aliás, confesso que, pessoalmente, a notícia da renovação dos indivíduos que compõem as câmaras municipais e cargos do executivo no âmbito municipal foi por mim recepcionada com certa apatia. Entretanto, não sem apatia percebi a reprodução de algumas coisas. Confesso que me utilizei tão somente das redes sociais para observá-las, mas que me apresentaram um quadro interessante.
A primeira delas foi a reeleição de políticos exaustivamente criticados pela população. Refiro-me àqueles que, por vezes, envolveram-se em escândalos de corrupção, que votaram favoravelmente ao aumento de salários, do número de cadeiras nas câmaras, etc., que foram severamente censurados por boa parte da sociedade, mas que reassumirão seus cargos. Não citarei nomes, mas creio que o leitor não deverá fazer um esforço mental muito grande para identificar alguns deles em seu município.
Em segundo lugar – e devo admitir que este foi o que mais me surpreendeu – uma espécie de inconformismo geral em relação a eleição de alguns candidatos, digamos, “exóticos”. As redes repentinamente se encheram de críticas, lamentos inconformados, xingamentos, enfim, as mais variadas expressões de reprovação com relação a estas figuras. Trata-se de candidatos que costumeiramente aparecem nos pleitos municipais: o “Tião da Muleta”, o “Zé da Lata”, entre outras figuras que, com muitas piadas, chavões, perfomaces cômicas e pouco discurso político, mais parecem personagens de um stand up do que candidatos. Chamou-me a atenção, sobretudo, os apelos à cidadania que alguns pareceriam heroicamente conclamar, à falta de sanidade mental dos eleitores, à falta de “consciência” dos que votaram nulo ou nestes candidatos, à vergonha que sentiam de morarem num país que elegeu como deputado um “palhaço” e agora vereadores que não sequer sabiam escrever o nome.
O mais interessante, a meu ver, é que tudo parou por ai. Tenho que fazer justiça a alguns que demonstrou uma preocupação do tipo “agora temos que fiscalizá-los”, mas tão somente isso. Realmente, estas eleições me inclinaram para uma questão extremamente relevante: como estamos acostumados a nadar apenas no raso e nos conformarmos com o resto. Em outras palavras: culpa-se a “inconsciência” do povo brasileiro, ataca-se sua “sanidade mental”, à baixa escolaridade dos eleitos, à falta de propostas, enfim, como se isso fosse o problema principal.
O que quero dizer, leitor, é que com muita facilidade se lançam tais juízos de valor partindo-se do ponto de vista confortável e negligente (para não dizer cínico) de que vivemos em uma plena democracia, onde os candidatos ditos “sérios” livremente exerceriam – quando eleitos – seus mandatos norteados por um místico “espírito cívico” pelo bem geral da nação (aqui, dos municípios). O que se verifica na prática é que, alfabetizados e analfabetos, políticos “sérios” ou “exóticos”, não passam de instrumentos que gravitaram nas mãos de outras pessoas, essas sim, que deverão desempenhar papéis políticos já previamente definidos aos pleitos eleitorais. As cartas do jogo político já foram distribuídas pelos grupos que sustentam o poder: as grandes empresas que não são eleitas por nós, mas monopolizam os lobbys e o tráfico de influência que fazem a máquina pública se mover de fato. Aos eleitos, na maioria das vezes, só cabe sentar à mesa e jogar segundo as regras da mesa.
É incrível a presença, nestes “protestos”, de um inconsciente sentimento de conformismo com esse status quo de democracia meramente “formal” que estamos  obrigatoriamente inseridos sem que haja qualquer abertura a negociação para construção de uma via diversa. Como já disse José Saramago, sobre globalização e as corporações econômicas e financeiras: “claro que não estão dispostas a negociar. E não estão dispostas a negociar porque sequer necessitam. Tem um intermediário que se encarrega de apagar os fogos, mais ou menos, que se manifestam aqui e além. E esses intermediários são os governos nacionais. Quer dizer, os governos transformaram-se em comissários políticos do poder econômico”. E continua: “não podemos continuar a chamar esta fantochada... ou se quer um termo mais delicado, com essa fachada, que é continuar a chamar de democracia algo que não tem nada a ver com democracia. Vivemos num regime plutocrático, o governo dos ricos sobre os pobres, e isto com um sistema que podemos chamar representativo, e politicamente representativo e só”.
De que adianta todo esse inconformismo se candidatos “sérios” e “exóticos”, ao tomarem posse, farão, em regra, exatamente o que outros homens não eleitos lhe dirão para fazer, nas coxias do cotidiano político? Até quando resignar-se a esta preguiçosa e inerte crítica aos que votaram no palhaço, no malabarista do sinal, etc., quando na verdade, salvo em raríssimas exceções, mesmo os políticos ditos “sérios” cumprirão uma agenda já preparada pelos que realmente detém o poder? Como já disse o prof. David Harvey[1], não existem grandes homens, mas homens que controlam redes de pessoas com maestria. Assim foi a eleição de Reagan na década de 1980: “O triunfo da estética sobre a ética não podia ser mais evidente. A construção de imagem na política nada tem de novidade. O espetáculo, a pompa e circunstancia, o comportamento, o carisma, o paternalismo e a retórica há muito são parte da aura do poder político. E também o grau até o qual isso pode Sr comprado, produzido ou adquirido de outra maneira há muito é importante para a manutenção desse poder (...) A eleição de um ex-ator de cinema, Ronald Reagan, para um dos cargos mais poderosos do mundo dá uma nova dimensão às possibilidades de uma política mediatizada apenas moldada por imagens”. Na sequencia, explica a razão disto: ““O presidente teflon”, como ele veio a ser conhecido (simplesmente porque nenhuma acusação lançada contra ele, por mais verdadeira, parecia colar), podia cometer erro após erro, mas nunca ser chamado a prestar contas” (HARVEY, p. 295-296).
Ficamos, assim, adstritos a ataques rasos, enquanto incentivamos uma democracia comissária dos interesses corporativos, uma democracia de sombras... Quem serão, portanto, os “inconscientes” nesta história toda?
Paulo Maluf e Celso Pitta




[1] HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 21ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.