segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Eleições e a “falta de consciência” dos eleitores



Encerraram-se as eleições municipais. Não que isto tenha representado para mim algo extraordinário, em si mesmo. Aliás, confesso que, pessoalmente, a notícia da renovação dos indivíduos que compõem as câmaras municipais e cargos do executivo no âmbito municipal foi por mim recepcionada com certa apatia. Entretanto, não sem apatia percebi a reprodução de algumas coisas. Confesso que me utilizei tão somente das redes sociais para observá-las, mas que me apresentaram um quadro interessante.
A primeira delas foi a reeleição de políticos exaustivamente criticados pela população. Refiro-me àqueles que, por vezes, envolveram-se em escândalos de corrupção, que votaram favoravelmente ao aumento de salários, do número de cadeiras nas câmaras, etc., que foram severamente censurados por boa parte da sociedade, mas que reassumirão seus cargos. Não citarei nomes, mas creio que o leitor não deverá fazer um esforço mental muito grande para identificar alguns deles em seu município.
Em segundo lugar – e devo admitir que este foi o que mais me surpreendeu – uma espécie de inconformismo geral em relação a eleição de alguns candidatos, digamos, “exóticos”. As redes repentinamente se encheram de críticas, lamentos inconformados, xingamentos, enfim, as mais variadas expressões de reprovação com relação a estas figuras. Trata-se de candidatos que costumeiramente aparecem nos pleitos municipais: o “Tião da Muleta”, o “Zé da Lata”, entre outras figuras que, com muitas piadas, chavões, perfomaces cômicas e pouco discurso político, mais parecem personagens de um stand up do que candidatos. Chamou-me a atenção, sobretudo, os apelos à cidadania que alguns pareceriam heroicamente conclamar, à falta de sanidade mental dos eleitores, à falta de “consciência” dos que votaram nulo ou nestes candidatos, à vergonha que sentiam de morarem num país que elegeu como deputado um “palhaço” e agora vereadores que não sequer sabiam escrever o nome.
O mais interessante, a meu ver, é que tudo parou por ai. Tenho que fazer justiça a alguns que demonstrou uma preocupação do tipo “agora temos que fiscalizá-los”, mas tão somente isso. Realmente, estas eleições me inclinaram para uma questão extremamente relevante: como estamos acostumados a nadar apenas no raso e nos conformarmos com o resto. Em outras palavras: culpa-se a “inconsciência” do povo brasileiro, ataca-se sua “sanidade mental”, à baixa escolaridade dos eleitos, à falta de propostas, enfim, como se isso fosse o problema principal.
O que quero dizer, leitor, é que com muita facilidade se lançam tais juízos de valor partindo-se do ponto de vista confortável e negligente (para não dizer cínico) de que vivemos em uma plena democracia, onde os candidatos ditos “sérios” livremente exerceriam – quando eleitos – seus mandatos norteados por um místico “espírito cívico” pelo bem geral da nação (aqui, dos municípios). O que se verifica na prática é que, alfabetizados e analfabetos, políticos “sérios” ou “exóticos”, não passam de instrumentos que gravitaram nas mãos de outras pessoas, essas sim, que deverão desempenhar papéis políticos já previamente definidos aos pleitos eleitorais. As cartas do jogo político já foram distribuídas pelos grupos que sustentam o poder: as grandes empresas que não são eleitas por nós, mas monopolizam os lobbys e o tráfico de influência que fazem a máquina pública se mover de fato. Aos eleitos, na maioria das vezes, só cabe sentar à mesa e jogar segundo as regras da mesa.
É incrível a presença, nestes “protestos”, de um inconsciente sentimento de conformismo com esse status quo de democracia meramente “formal” que estamos  obrigatoriamente inseridos sem que haja qualquer abertura a negociação para construção de uma via diversa. Como já disse José Saramago, sobre globalização e as corporações econômicas e financeiras: “claro que não estão dispostas a negociar. E não estão dispostas a negociar porque sequer necessitam. Tem um intermediário que se encarrega de apagar os fogos, mais ou menos, que se manifestam aqui e além. E esses intermediários são os governos nacionais. Quer dizer, os governos transformaram-se em comissários políticos do poder econômico”. E continua: “não podemos continuar a chamar esta fantochada... ou se quer um termo mais delicado, com essa fachada, que é continuar a chamar de democracia algo que não tem nada a ver com democracia. Vivemos num regime plutocrático, o governo dos ricos sobre os pobres, e isto com um sistema que podemos chamar representativo, e politicamente representativo e só”.
De que adianta todo esse inconformismo se candidatos “sérios” e “exóticos”, ao tomarem posse, farão, em regra, exatamente o que outros homens não eleitos lhe dirão para fazer, nas coxias do cotidiano político? Até quando resignar-se a esta preguiçosa e inerte crítica aos que votaram no palhaço, no malabarista do sinal, etc., quando na verdade, salvo em raríssimas exceções, mesmo os políticos ditos “sérios” cumprirão uma agenda já preparada pelos que realmente detém o poder? Como já disse o prof. David Harvey[1], não existem grandes homens, mas homens que controlam redes de pessoas com maestria. Assim foi a eleição de Reagan na década de 1980: “O triunfo da estética sobre a ética não podia ser mais evidente. A construção de imagem na política nada tem de novidade. O espetáculo, a pompa e circunstancia, o comportamento, o carisma, o paternalismo e a retórica há muito são parte da aura do poder político. E também o grau até o qual isso pode Sr comprado, produzido ou adquirido de outra maneira há muito é importante para a manutenção desse poder (...) A eleição de um ex-ator de cinema, Ronald Reagan, para um dos cargos mais poderosos do mundo dá uma nova dimensão às possibilidades de uma política mediatizada apenas moldada por imagens”. Na sequencia, explica a razão disto: ““O presidente teflon”, como ele veio a ser conhecido (simplesmente porque nenhuma acusação lançada contra ele, por mais verdadeira, parecia colar), podia cometer erro após erro, mas nunca ser chamado a prestar contas” (HARVEY, p. 295-296).
Ficamos, assim, adstritos a ataques rasos, enquanto incentivamos uma democracia comissária dos interesses corporativos, uma democracia de sombras... Quem serão, portanto, os “inconscientes” nesta história toda?
Paulo Maluf e Celso Pitta




[1] HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 21ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

sábado, 4 de agosto de 2012

A paralisação dos caminhoneiros



Olimpíadas, campanhas políticas, julgamento do “Mensalão”, volta de Demóstenes Torres para o Ministério Público. Para aqueles que comigo compartilham os ares maringaenses na Zona 07 todos os dias, até mesmo esse “vai-não-vai” da greve na Universidade Estadual de Maringá está sendo motivo suficiente para apagar a manifestação dos caminhoneiros finda neste dia 31/07. Como sempre, a grande mídia veiculou a matéria de maneira rápida, em pequenas notas ou reportagens, com aquele enfoque imparcial que dá o toque especial da mídia brasileira. Com efeito, uma coisa é fato: alguns dias que os caminhoneiros ficaram parados em diversos Estados foi suficiente, ao que parece, para aumentar significativamenteo preço dos alimentos.  Isto mostra uma daquelas faces do trabalho que não costumamos ver com muita frequência, mas que são essenciais para a manutenção do nosso cotidiano.
Confesso que, em um primeiro momento, fiquei espantado ao ler que “caminhoneiros protestam contra a nova regra que obriga o motorista a ter um descanso de 11 horas entre duas jornadas de trabalho, uma hora de almoço por dia e repouso de 30 minutos a cada quatro horas rodadas[1]. No mínimo, pareceu-me um apelo paradoxal por parte dos trabalhadores, para não dizer irracional: não queremos descanso, não queremos jornada regular, queremos rodar Brasil a fora sem nenhum controle para nossa saúde.
Após ter contato com algumas ações de motoristas de ônibus e caminhoneiros tentando pleitear direitos trabalhistas – incluindo jornada de trabalho e horas extras – considero um avanço para a categoria a lei 12.619/2012. Afinal de contas, infelizmente, é notório o fato de que a utilização de rebite e cocaína pelos motoristas rodoviários é intensa para que deem conta de cumprir seus prazos. Como seria possível, portanto, que o Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC) se mobilizasse, então, pela manutenção deste quadro? A primeira notícia que li, ao ficar sabendo da manifestação na quarta-feira, foi a desaprovação dos bloqueios por parte da Unicam (União Nacional dos Caminhoneiros), associação de caminhoneiros autônomos e microempresários. Até mesmo microempresários, estes que talvez pudessem ter algo contra a regulamentação de jornada e intervalos, manifestaram-se a favor, e a MUBC era contraria. Não fazia sentido.
Entretanto, a ata de reunião celebrada entre governo, MPT e caminhoneiros manifestantes pareceu trazer algumas luzes ao assunto que o Jornal Nacional omitiu. Ao contrário do que noticiou-se, a MUBC não estava contra a regulamentação. Ao contrário: reconheceram “que a Lei 12.619/2012 representa um importante avanço na regulamentação do setor, disciplinando a jornada de trabalho, o tempo de direção e descanso”. E nada mais. O que a lei não previu, por exemplo, é que quando chega o momento de descansar o caminhoneiro não pode parar na beira da estrada, pois é uma conduta passível de multa. Mas suponhamos que este motorista tenha a felicidade de coincidir o período de descanso com a chegada a um posto de gasolina. Muitos deles não costumam ser locais apropriados para descansos, além de oferecerem riscos de saque da carga. Pátios de estacionamentos também não são muito frequentes nas rodovias, e a lei não trouxe nenhuma previsão acerca deles. Estas são apenas algumas considerações, cuja compreensão depende do contato frequente com a lida na estrada, o que a meu ver, não parece ser a rotina dos membros do Congresso. O segundo problema diz respeito a própria desunião da classe. Em um momento como esse, de singular avanço para os direitos da categoria, MUBC e Unicam (que reúne também caminhoneiros autônomos) não somam forças para levar o governo à negociação direta com os reais destinatários da norma.

Representantes da classe dos caminhoneiros, Ministério Público do Trabalho e ministro dos Transportes, em reunião.

Por derradeiro, talvez até decorrência da situação anterior, a falta de participação do “público alvo” da lei em sua elaboração. As questões levadas ao Ministério dos Transportes deixam claro que as frondosas estruturas do burocrático processo legislativo, que dão sustentação ao nosso Estado, são cheias de legalidade e vazias de direito. O poder legislativo, longe do cotidiano das estradas, fez a lei e ponto. Os parlamentares não tem condições de conviver com as experiências do dia-a-dia que determinam os rumos do ordenamento da sociedade. Concedeu a “Lei Áurea” do transporte rodoviário: concedeu a abolição das jornadas excessivas sem dar o devido suporte à empresas e caminhoneiros para cumpri-la.
Gostaria de salientar ao leitor que, assim como a MUBC e Unicam, também vejo a Lei 12.619/2012 como um progresso para os trabalhadores do transporte de cargas e pessoas. Entretanto, esta situação serve para nos aclarar a razão do “homem do povo” desconfiar do direito, como escreveu Paolo Grossi[2]: “Não está errado o homem do povo, mesmo em nossos dias, que traz em si ainda frescos os cromossomos do proletário da idade burguesa quando desconfia do direito: o percebe como uma coisa que lhe é completamente estranha, que cai do alto sobre sua cabeça, como uma telha do telhado, confeccionado nos mistérios dos palácios do poder  e evocando  sempre  os espectros desagradáveis  da autoridade  sancionadora, o juiz ou o  funcionário  de polícia” (p. 56)
Como os caminhoneiros não tiveram a oportunidade de participação, a sua única voz (se é que assim se pode dizer) no debate consistiu nesse transtorno nas estradas do Brasil. Aliás, foi o meio mais eficaz que a própria democracia lhes renegou para que as suas necessidades de profissão fossem ouvidas pelo governo, tamanha a distancia entre as boleias e aqueles que os representam nas cúpulas legislativas. Enquanto o caráter político da sociedade civil continuar sendo suprimido pelo Estado, continuaremos assistindo casos como este, aparentemente paradoxais em um primeiro momento, reveladores de características essenciais do nosso direito brasileiro. Em suma, como sabiamente asseverou Grossi[3], “ordenar não significa submeter o real a uma renovação fictícia fazendo “de albo nigrum”, construindo uma unidade desmentida pelos fatos subjacentes, mas significa compor a unidade complexa e plural, fazendo com que as diversidades possam se tornar uma força daquela unidade sem se aniquilarem. Como salienta o próprio Tomas (de Aquino), a ordem é a unidade que harmoniza, mas, ao mesmo tempo, respeita as diversidades” (p. 70).


[2] GROSSI, Paolo. Mitologias Jurídicas da Modernidade. 2ª Ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.
[3] Idem, Ibidem. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Enquanto houver burguesia, vai haver direito a moradia?

Tropa de Choque na Vila Sabará, Cidade Industrial, Curitiba. 
Relembrando alguns estudos de história, feitos no distante ano de 2007, passei os olhos por algumas aulas a respeito da escola dos Annales. Para aqueles que não conhecem tanto sobre historiografia, a “École des Analles” consistiu em uma corrente surgida no inicio do século XX, encabeçada por Marc Bloch e Lucien Febvre, que deram o ponta pé inicial em 1929 com a fundação da revista “Revue des Annales”. Peço aos historiadores que, por um momento, me perdoem em fazer tão pobre resumo do que foi essa escola. Todavia, o que pretendo ressaltar do pensamento de Bloch e Cia é, se não a premissa mais importante, uma das mais significativas teses defendidas Escola: a história das mentalidades se da à longo prazo, e não acompanha a mesma velocidade de outros elementos sociais que compõem a história (economia, política, etc.) Em outras palavras, pode mudar os governos, os regimes de Estado, as crises econômicas. As mentalidades presentes na sociedade só mudam a partir de uma longa caminhada do tempo.
Infelizmente, em nosso país, algumas mentalidades não mudam e, provavelmente, demorarão muito para mudar. Roniwalter Jatobá já observou que, entre outras permanências, está a de que o brasileiro acha que seu pais está cheio de corrupção. Ora, essa frase poderia ter sido ouvida na rua, num bar, enfim, em qualquer lugar hoje em dia que não estranharíamos. Entretanto, essa frase foi dita por Rudyard Kipling, viajante inglês que visitou o Brasil em 1927. Outra mentalidade que parece insistir em permanecer no país – esta mais grave, e que anda bem atual – é a eliminação da pobreza e suas mazelas na bala.
São notáveis as políticas adotadas no Rio de Janeiro para reforma urbana, feitas sob o discurso de necessidade sanitária. A primeira aconteceu em 1893, por Cândido Barata Ribeiro, supostamente para acabar com a propagação da febre amarela que assolava a cidade. Tendo em vista que boa parte dessa proliferação se dava, de fato, nos cortiços, a solução encontrada foi simples: vamos demolir tudo. Foi assim que o cortiço Cabeça de Porco do centro carioca foi destruído, colocando cerca de 4.000 pessoas na rua. E pronto. O resultado foi que os escombros subiram o morro: as milhares de pessoas desabrigadas alojaram-se nas encostas dos morros e formaram o Morro da Favela (hoje, Favela da Providência). Mais tarde, na gestão do prefeito Pereira Passos, o que era uma “questão sanitária” desvelou-se em uma eliminação da pobreza pela força, mas sem alterar o discurso oficial. Por meio do famoso “Bota-Abaixo” empreendido pelo prefeito, demoliu-se mais cortiços no centro da cidade, com intuito mesmo de reforma-la “à la Haussman”, como diz o prof. Milton Teixeira, imprimir o “modelo francês” no Rio. Para os hipócritas, mais uma ação sanitária.
As “questões sanitárias” dos antigos prefeitos estão dando lugar a outras motivações. Embora os anos tenham passado, tenha surgido a Constituição de 1988, o direito a moradia, a função social da propriedade, etc. somos surpreendidos pela desocupação de milhares de pessoas do Pinheirinho, em nome da propriedade de uma massa falida... Mas isto já foi tema de outro texto, que humildemente recomendo aos leitores. Sem falar na antiga Cracolândia de São Paulo, que simplesmente pulverizou viciados em craque para outras áreas da cidade.
Um fato recente que me chamou a atenção para a questão da moradia foi a reintegração de posse efetivada nesta segunda-feira (12/03/12), na Vila Sabará, Cidade Industrial de Curitiba. Cerca de 200 famílias invadiram um terreno 96 mil metros quadrados pertencentes Curitiba S.A, uma empresa de economia mista que substituiu a companhia Cidade Industrial de Curitiba, que fazia a destinação de áreas durante a formação do bairro. Esta invasão se deu desde o dia 18, contando com aproximadamente 400 pessoas de início, que protestavam contra a demora da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB) no benefício para inscrições da casa própria feitas, em alguns casos, há seis anos. Após a desocupação, a prefeitura esclareceu que “as famílias inscritas no programa passaram a ser contempladas por sorteio independentemente do tempo de espera na fila”, segundo reportagem da Gazeta do Povo.
O que verificou-se no caso é que centenas de pessoas estão a alguns anos aguardando uma contemplação da COHAB para poderem financiar suas casas. A prefeitura informou que parte do terreno foi cedido em comodato para futuros projetos socioeducativos. Outra parte ficaria ociosa, portanto. Assim, gerou-se uma situação duplamente paradoxal: o Estado, ao mesmo tempo em que assegura o direito à moradia, não apenas ainda os obriga a terem suas residências por meio do consumo, e ainda tendo que esperar uma contemplação. Enquanto ela não vêm, as pessoas devem continuar contemplando o céu estrelado à noite, pela falta de uma moradia?
Isto porque, ao que parece, esse direito a moradia expresso do art. 6º da Constituição parece ter deixado de ser um direito, e tornou-se uma mercadoria. E de mercadoria, um ativo financeiro. Assim, do direito à moradia, passamos a ter o direito de consumir a moradia. Sem consumo, sem moradia. Enquanto os casos de desalojamento de famílias de áreas ocupadas permanecem repetindo-se ao longo de nossa história, pelos mais diversos motivos, a lei 11.124/05 transforma o “direito social à moradia” em “Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, com o objetivo de: I – viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e sustentável; II – implementar políticas e programas de investimentos e subsídios, promovendo e viabilizando o acesso à habitação voltada à população de menor renda; e III – articular, compatibilizar, acompanhar e apoiar a atuação das instituições e órgãos que desempenham funções no setor da habitação”. O direito de morar passou a ser uma política pública, onde o consumo subsidiado é o objetivo.
Os leitores já devem estar se remexendo na cadeira. “Mas como... Então o governo tem que dar moradia de graça agora?” Não, senhores. A iniciativa da lei é louvável, pois beneficia muitas pessoas de baixa renda a conseguir uma casa própria melhor do que provavelmente elas conseguiriam comprar. Também o programa Minha Casa Minha Vida caminha neste sentido. O problema situa-se no intenso processo de combate à pobreza por meio da expulsão de áreas ocupadas. Não nos enganemos, vamos dar nomes aos bois: você só tem direito a moradia se puder compra-la, nem que seja pelo SNHIS. Ocupar não é adquirir, é apenas tomar pra si o que é ou não de direito. 
Em entrevista à Le Monde Diplomatique Brasil, Raquel Rolnik, profª da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) - USP, pronunciou-se a respeito do assunto. “(...) por que essa dimensão entra em contradição com a moradia como um direito? Porque a lógica de produção da moradia como uma mercadoria e ativo financeiro implica vários elementos que minam o direito a moradia. Um deles é que a velocidade de giro do capital exigida para sustentação desse modelo induz à produção das moradias nas franjas urbanas, onde não há cidade, repetindo um modelo histórico de ocupação territorial. O direito a moradia não é o de ter quatro paredes e um teto em cima da cabeça, mas sim uma porta de entrada para uma qualidade de vida decente, uma forma de acesso a outros direitos, como educação, saúde, meio ambiente saudável, trabalho... Ou seja, não é o direito a possuir um bem. Portanto, essas duas lógicas são contraditórias. (...) o elemento material casa construída é uma parte da história, não é toda a história. Pensar a partir dos direitos muda completamente essa perspectiva”.
Coisas assim não poderiam mais ser toleradas no século XXI. Na realidade, caros leitores, não penso que o Estado tenha que se responsabilizar pela moradia de todos, concedendo-a gratuitamente à todos. Pretendo apenas chamar a atenção para como nos esquecemos dos direitos de determinadas parcelas da população as vezes, Fala-se muito na dignidade da pessoa humana, em direitos fundamentais. Mas quando falamos em direito à moradia e função da propriedade, parece que devemos interpreta-los como direito a um financiamento barato, e desde que não ficar nenhum interesse capitalista. Talvez uma função social-capitalista da propriedade? Talvez a justificativa para a reforma urbana do Rio de Janeiro pelo “Bota-Abaixo” tenha sido convincente em seu discurso de sanitarização da cidade. Entretanto, os repetidos episódios de desapropriação por força policial de áreas ocupadas e o incentivo ao consumo de moradia, vão tornando “antigo” direito social à moradia. Só nos resta pensar que, enquanto houver a burguesia da especulação imobiliária, não vai haver poesia para a população carente de dinheiro e de direitos. 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O plantio da mandioca no norte do Paraná

            Como dizia Vinicius de Moraes em sua canção “Cotidiano nº 2”, “Aos sábados em casa tomo um porre e sonho soluções fenomenais, mas quando o sono vem e a noite morre o dia conta histórias sempre iguais”. Infelizmente, nossos dias ainda contam muitas histórias iguais. É comum que algumas políticas públicas que busquem soluções para determinados impasses sociais sejam contornadas e criem novas situações para serem resolvidas. Quem assistiu o filme “Tropa de Elite 2”, e posteriormente acompanhou a irritante cobertura que foi dada à ocupação do Morro do Alemão por determinada rede de televisão, compreende onde quero chegar. Por mais que a “propaganda” midiática da ocupação de favelas tenha mostrado-se como uma “salvação”, um passo indispensável para o combate ao trafico, a mera exterminação do traficante não representa nenhum arranhão no problema. Ineficiência do Estado “concertada” com demagogo corretivo. Esse foi o recado do diretor José Padilha. Em muitos casos os próprios policiais criam milícias e dominam o trafico antes dominado pelos traficantes. Matar todos os traficantes, por vezes, resulta apenas em outro problema.
            Críticas a parte à ocupação do Morro do Alemão, sabemos que nem sempre que o Estado procura harmonizar algum desequilíbrio social, gera novos problemas. Algumas soluções que encontram guarida no seio institucional tornam o agir estatal de grande valia para a população. Foi assim que, em consonância com seus deveres institucionais, a Procuradoria do Trabalho no Município de Maringá (PTM) buscou um diálogo com diversas associações empresariais e sindicatos da categoria profissional relacionados à cultura da mandioca para impedir irregularidades no trabalho neste setor.
            O cultivo da mandioca, sobretudo no Paraná, caracteriza-se em sua grande maioria por pequenos agricultores, normalmente arrendatários. O que poucos sabem é que este setor tem sido extremamente atingido pelo problema da informalidade. Após diversas fiscalizações realizadas em municípios no noroeste paranaense, os procuradores do trabalho e auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) depararam-se com níveis alarmantes de informalidade e precariedade das condições de trabalho no plantio e colheita da mandioca, em farinheiras e fecularias. Além da falta de registro em carteira, foram verificados diversos casos de absoluto descumprimento de normas de saúde e segurança no trabalho, transportes de trabalhadores inseguros (alguns transportando combustíveis com os trabalhadores), nenhum fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI), intermediação de mão de obra por meio de “gatos”, e até uma propriedade onde o pessoal da colheita retirava da terra a mandioca em meio à capim pegando fogo (isso mesmo: arrancavam as raízes com suas próprias mãos enquanto o capim pegava fogo no solo).
O primeiro passo dado consistiu em agendar-se diversas audiências e reuniões com representantes das indústrias, das farinheiras, fecularias, agricultores e sindicatos do ramo, com intuito de dialogar e buscar soluções junto a estes setores para a efetiva regularização da atual situação dos obreiros rurais, bem como a responsabilização das indústrias e farinheiras, para que não comprem matérias-primas fruto de descumprimento de normas de natureza trabalhista e de lesão de direitos fundamentais dos trabalhadores.
Seminário da Cadeia Produtiva da Mandioca realizado em Paranavaí, procurou ouvir opinião dos produtores de mandioca acerca da formalização em carteira de trabalho. Fonte: http://www.fetaep.org.br

Tendo como premissas que contratos e condições de trabalho regulares, agricultores conscientes, e a observância da boa procedência da matéria-prima pelas indústrias sejam uma realidade, o MPT em conjunto com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná (FETAEP) estão empenhados em um projeto de fiscalização móvel para que as propriedades produtoras da mandioca sejam devidamente fiscalizadas e adequadas às normas trabalhistas. Trata-se de uma força-tarefa com o intuito de fazer valer o ordenamento jurídico trabalhista a este tão castigado setor.
            Importante salientar-se que por meio deste projeto o Ministério Público do Trabalho tem buscado não apenas zelar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis dos trabalhadores rurais da lavoura da mandioca, mas também zelar pela própria ordem jurídica, como prevê o art. 127 da Constituição Federal. Isto porque nosso ordenamento jurídico estabelece os institutos da função social do contrato e da responsabilidade social da empresa devem ser observados pelo empresariado, e na cultura da mandioca não pode ser de outra maneira.
            Por fim, saliente-se que política pública nenhuma é ou será capaz de solucionar problemas sociais por completo. Talvez em uma sociedade ideal, como em Castália[1], as mazelas sociais pudessem ser solucionadas em sua essência através da “burocracia estatal” (nos termos de Max Weber). Como vivemos em uma sociedade de homens, e não de anjos ou de sábios iluminados, devemos fazer consigam, pelo menos, alcançar direitos fundamentais para os cidadãos. Iniciativas como esta, direcionadas aos trabalhadores da mandioca, só tendem a acrescentar à sociedade. Sabemos que existem muitos conflitos no âmbito do trabalho especialmente na zona rural, onde prevalecem a informalidade e a desinformação em muitos casos (não restringindo-se apenas ao cultivo da mandioca). Entretanto, não se pode ficar paralisado perante a grandeza do problema, e assim tem trabalhado o MPT, para que pelo menos, esses trabalhadores não tenham soluções apenas em “sonhos” ou “porres”.


[1] “Castália” é uma província fictícia criada pelo escritor alemão Hermann Hesse, no livro “O Jogo das Contas de Vidro”. Trata-se de uma espécie de “república de acadêmicos” extremamente organizada e hierarquizada, um ambiente onde imperava a racionalidade e as pessoas possuíam um amor imanente à sabedoria e ao conhecimento. A única ocupação de seus habitantes é o profundo estudo das mais diversas disciplinas, sobretudo matemática e música. Também denominada “Província Pedagógica” é um lar de intelectuais que não ocupam suas vidas com outra coisa que não seja o profundo estudo dos temas que escolheram.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

“Estado Amplo” ou “Estado Democrático de Direito”?


A questão da desocupação do Pinheirinho, que assolou os jornais e dividiu opiniões à algumas semanas, me trouxe reflexões simples – mas não simplórias – a respeito do nosso Brasil. A fala do defensor público Jairo Salvador durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo, em especial, mostrou como as relações jurídicas se fragilizam, se corrompem, perante determinados interesses econômicos. A questão não é pueril. Não estamos falando que o Estado deveria ser perfeito, ou que as pessoas deveriam viver em plena harmonia, pois sabemos que somos humanos e imperfeitos. Entretanto, se desnudou como é frágil e demagógico o discurso do Estado Democrático de Direito – principal pilar que legitima o direito em todas as suas frentes – quando temos interesses (político e econômicos) de grandes capitalistas frente a direitos “dos de baixo”, segundo Edward Thompson.
Existem algumas questões gritantes verificadas neste caso. Passemos a questões eminentemente jurídicas. Em primeira análise, em nenhum momento se levou em consideração o art. 6º da Constituição Federal[1], ou a função social da propriedade e o art. 5ª da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[2] (antiga LICC). Mas se foram desalojadas, tudo bem: o Estado arcou com o não cumprimento do direito à moradia daquelas pessoas, já que deu causa à lesão de seus direitos por meio da liminar de reintegração de posse, garantindo uma indenização pelo feito? Mas digamos que esses questionamentos estejam errados. Como se fundamenta processualmente a liminar de reintegração de posse sendo que já havia sido anteriormente deferida pela 16ª Câmara do tribunal de Justiça de São Paulo (revertendo o posicionamento do juízo a quo) e declarada nula pelo STJ em 2010? Como entender que não houve da eliminação da urgência, ou o famoso periculum in mora como gostam os juristas, que embasa a concessão de uma liminar? Não suficiente, segundo o depoimento do defensor público, a prefeitura demoliu às pressas as casas do Pinheirinho ciente de que a ação demolitória, por ela ajuizada para demoli-las, havia sido indeferida pelo juiz Silvio Pinheiro da 1ª Vara da Fazenda Pública. Apenas breves reflexões, sigamos em frente[3].
Máquinas trabalham na demolição dos barracos do Pinheirinho após reintegração de posse no interior de SP. Fonte: www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1038753-operacao-de-reintegracao-no-interior-de-sp-deve-terminar-amanha.shtml
Pensando a respeito destes casos, comecei a refletir no significado deste tão pomposo “Direito” que nós juristas temos por hábito complementar à expressão “Estado Democrático de...”. Qual direito foi respeitado no caso do Pinheirinho? Algum tempo após as leituras acerca do caso, deparei-me com um autor que lançou-me algumas luzes intelectuais. Tratou-se da teoria de Estado proposto pelo professor português João Bernardo. Embora qualquer modelo de Estado que se apresente seja passível de crítica, e isto deve ser bem ressaltado, Bernardo expôs o modelo do “Estado Amplo”, que traz diversas correlações com estes casos que comentamos.
Pode-se definir, genericamente, Estado Amplo como

um mecanismo de poder utilizado pelos capitalistas para controlar os trabalhadores e garantir a disputa empresarial pela maior extração de mais-valia. Na competição interempresarial, o Estado – mais do que um mero agente regulador da concorrência – é a parte interessada que toma partido e atua como promotor das chamadas CGP (Condições Gerais de Produção). As CGP compreendem todos os recursos destinados à realização da produção, englobando a estrutura e o funcionamento dos estabelecimentos de ensino, o acesso da população à medicina, à saúde, etc.” (SOBRINHO, 2006, p.85)[4].

Os não-marxistas ortodoxos que me desculpem, mas nem tudo que pensou o velho Marx ficou no século XIX. Neste modelo de Estado proposto pelo autor lusitano, os poderes institucionais (legislativo, executivo e judiciário) formam um conjunto denominado “Estado Restrito”. Este, por sua vez, é o responsável pela feitura das leis e regulamentação da sociedade em geral, incluídos nestes processos a criação das “regras do jogo” para o trabalho. O “Estado Amplo”, todavia, constitui-se no grupo de grandes empresas que influenciam a ala burocrática estatal (Estado Restrito), transformando-se em sua longa manus o outro Estado. O autor sumariza estes elementos:

O Estado Restrito é o aparelho político clássico, combinado com os poderes executivo, legislativo e judiciário (...) O Estado Amplo resulta da autoridade que cada patrão exerce no interior da sua própria empresa. Resulta ainda da hegemonia que as empresas detêm sobre a sociedade em redor. O Estado Amplo é constituído pelas empresas enquanto aparelho de poder” (BERNARDO, 1996, p.6)[5].

A principal característica deste modelo é que ele supera a concepção de Estado apenas como “sociedade política”. A função do Estado seria a de contribuir para a consolidação dos interesses dos grandes capitalistas, isto é, o exercício do poder passaria a ser ferramenta para se promover um local ideal para que estas empresas possam explorar suas atividades. A influência do Estado Amplo sob o Estado Restrito teria o condão de fazer com que este último se restringisse à condição de “grande fiador dos negócios do setor privado, transferindo a regulação para as agências privadas e garantindo a cláusula de sucesso aos investidores” (SOBRINHO, 2006, p. 86). As instituições garantiriam as leis e gerenciariam o exercício do poder na sociedade, mas o Estado Amplo quem “dá as cartas”. O que se teria, em suma, seria uma falsa soberania, um falacioso discurso democrático onde, na realidade, as elites utilizar-se-iam do Direito da forma que melhor lhes aprouvesse política e economicamente. Os vínculos políticos transmutar-se-iam em compromissos com grandes capitalistas. Como explicita Palmeira,

O conceito do Estado Restrito serve para reconhecer o aparato e a força repressiva do Estado Amplo. É através dessa coerção que o Estado busca assegurar a execução dos contratos que disciplinam a acumulação e a ordem necessária à reprodução do capital (Idem, p. 87).

Os Estados Unidos da América são outro exemplo onde poderíamos atribuir este modelo. Berço do neoliberalismo e da Escola de Chicago, o país propagou o ideário do livre mercado para todo o mundo. Eles não estavam de brincadeira. Em 20 de janeiro de 1981, declarou o presidente Ronald Regan: “government is not the solution to our problems; government is the problem[6]”, em clara alusão a derrocada do antigo Welfare State e da necessidade da economia livrar-se das intervenções estatais. A solução era, em termos gerais, o fim das barreiras comerciais. Entretanto, o que assistimos no ano de 2008 foi uma intensa crise financeira causada pela desmedida especulação imobiliária naquele país que afetou todo o Globo e foi salva... pelo governo. A quase irresponsável concessão de crédito para a aquisição de casas com intuito de aquecer o mercado gerou uma inadimplência tamanha que muitas financeiras quebraram, mas quem acertou as contas, no final, foi (para utilizar o termo de Bernardo) o Estado Restrito.
Confesso que à primeira vista, este conceito pareceu-me um tanto extremado. Embora saiba que conceito algum de Estado será suficiente para descrevê-lo em sua totalidade, o caso do Pinheirinho nos coloca em xeque.  A questão mor que se coloca é: se nosso Estado, além de “Democrático”, é “de Direito”, até que ponto se extende esse direito? Em outras palavras: qual o limite dos interesses que o ordenamento jurídico alcança e sobrepõem-se? Embora não advogue cegamente a tese do Estado Amplo, inegável é a flagrante demagogia do modelo estatal atual, que não consegue cumprir nem aquilo que se propõe a minimamente ser. Os interesses da “massa falida” num terreno improdutivo, à muito tempo abandonado, suplantou os direitos constitucionais, processuais, etc. de todas as famílias expulsas à bala pela polícia. Apesar disso, nosso “Estado Democrático de Direito” ainda serve de base para a legitimação do próprio ordenamento jurídico vigente e para diversos discursos de juristas e falsos entusiastas.
Talvez estas reflexões já não se mostrem mais tão importantes para boa parte dos leitores, principalmente a respeito do caso do Pinheirinho, por já estar um tanto “batido” pela mídia. Entretanto, para aquelas famílias, esta questão ainda está muito presente. Por isso mesmo, não podemos nos esquecer o que aconteceu e simplesmente fechar os olhos a partir do momento em que os fatos saem da mídia. Pierre Bourdieu escreveu, a respeito da mídia direcionada às grandes massas, que “Toda linguagem que é produto do compromisso com as censuras, internas e externas, exerce um efeito de imposição, imposição do impensado que desestimula o pensamento[7]. Não sei se estamos sendo enganados por alguns que querem que acreditemos teologicamente que existe um Estado Democrático de Direito, ou nós que muitas vezes deixamo-nos seduzir pelo discurso. De qualquer maneira, encerro o texto com uma fala do defensor público citado, para que reflitamos se não estamos vivendo, de fato, num “Estado Amplo”:

Para quem conhece São José dos Campos, sua formação, a elite que domina a cidade, dá pra entender o que aconteceu. Porque o Pinheirinho é só mais um capítulo de extermínio da pobreza numa cidade que quer se vender como uma cidade perfeita, sem problemas sociais, onde esconde a pobreza, mata a pobreza, onde elimina físicamente a pobreza, para que a pobreza não apareça e a cidade seja vendida como a cidade perfeita (...) a opção política da cidade, dos seus governantes, é para a exclusão e exterminação da pobreza exterminando o pobre, e não elevando suas condições sociais”.

Reintegração de posse. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1038753-operacao-de-reintegracao-no-interior-de-sp-deve-terminar-amanha.shtml

[1] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[2] Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
[3] Para quem interessar-se em aprofundar os conhecimentos a respeito dos aspectos jurídicos do Pinheirinho, ver o texto do juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI149026,31047-O+caso+Pinheirinho+um+desafio+a+cultura+nacional.
[4] SOBRINHO, Zéu Palmeira. Reestruturação Produtiva e Terceirização: o caso dos trabalhadores das empresas contratadas pela Petrobrás no RN. Tese (Doutorado), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006.
[5] BERNARDO, João. Reestruturação Produtiva e o Futuro do Trabalho. 1996 17p. [Texto apresentado por ocasião de curso ministrado junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN]. Natal: PPGCS/UFRN, 1996.
[6]Em uma tradução livre, “o governo não é a solução para nossos problemas, o governo é o problema”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=XObcP69dhCg&feature=related
[7] BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 8. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Olhos clínicos

 Astolfo (Sr. De Sainot) passava por sábio de primeira ordem. Ignorante como uma carpa, nem por isso deixava de escrever os verbetes “açúcar” e “aguardente” de um dicionário de agricultura. (...) Se alguém ia vê-lo, deixava-se surpreender misturando papéis, procurando uma nota perdida, ou aparando a pena; empregava, porém, em frioleiras todo o tempo que ficava em seu gabinete: lia demoradamente o jornal, esculpia a pasta ou folheava Cícero para tomar ao acaso uma frase ou passagens cujo sentido se pudesse aplicar aos acontecimentos do dia. Depois, à noite, esforçava-se para levar a conversa a um assunto que lhe permitisse dizer: “Há em Cícero uma ágina que parece ter sido escrita para o que se passa em nossos dias”. Recitava então sua passagem com grande assombro dos ouvintes, que diziam entre eles: Verdadeiramente, Astolfo é um poço de sabedoria”.
Ilusões Perdidas, Honoré de Balzac

Um dos maiores problemas que submetem-se os “críticos”, estes seres que enfrentam ideias consolidadas ou propõem novas possibilidades para além lugar comum, é que normalmente tem o hábito de não se contentarem com paliativos. Sim, buscam atingir a essência das coisas, e assim procedem para curar o mal ao invés de desperdiçarem suas vidas com remédios para sintomas (os quais já bastam para que hipócritas ou menos favorecidos intelectualmente possam deitar-se à noite em seus travesseiros com serenidade).
Deve haver algo de belo nisso... Gastar o tempo e esforços em buscas cujos resultados dificilmente alcançarão plenamente, apenas para não desgastar a consciência. Abrem mão de compartilhar opiniões majoritárias, de apadrinhamentos vantajosos, criam descensos, muitas vezes não são bem vistos na sociedade ou até mesmo tratados como loucos ou malfeitores.
Existe uma grande diferença entre aliviar a dor e sanar a doença, e os críticos normalmente reconhecem isso. Entretanto, o problema não está propriamente em aliviar as dores. Quem já esteve em contato com pacientes de câncer sabe que é importante a busca da cura, mas que ela somente não configura um tratamento adequado para o doente. Para quem a sente, aliviar a dor não é simplesmente um luxo.
O problema que falávamos está intimamente ligado aos olhos cínicos que enxergam neste alívio o amparo suficiente; em defesas bem delineadas de ações que não resolvem aquilo à que foram criadas para resolver. Àqueles que, de acordo com a parábola do semeador[1], estão satisfeitos em jogar sua semente sobre a terra cheia de espinhos. A planta nascerá e crescerá, num primeiro momento, mas logo sucumbirá em razão dos problemas mais sérios que já existiam. Se o semeador se preocupar apenas em semear, jogar a semente na terra, o efeito de nascer e crescer pode não acontecer. Aqueles que têm o costume, porém, de analisar as coisas a seu redor com olhos clínicos preocupam-se com as dores, mas jamais perdem de vista o verdadeiro cerne do mal.
Ao que parece, infelizmente, isso faz parte da própria índole humana. Recordo das sabias palavras do Sr. Gruffydd, pastor anglicano personagem do romance Como Era Verde Meu Vale, de Richard Llewellyn: “Ah meu Deus! Pensei, quando era jovem, que conquistaria o mundo com a verdade. Pensei que conduziria em exército maior do que jamais sonhou Alexandre, não para conquistar nações, mas para libertar a humanidade. Com a verdade. Com o som áureo do Verbo. Mas somente poucos ouviram a trombeta. Somente alguns compreenderam. O resto vestiu-se de preto e sentou-se na capela”.


[1] Mateus, 13:3-9. b