terça-feira, 6 de dezembro de 2011

As escolhas dos deputados

Policiais fazem cordão para isolar a Assembleia do povo. 
Mais uma vez, na calada da noite, a população paranaense assistiu a aprovação de projeto de lei apesar dos reclames populares. Quem está acompanhando os jornais, observou que manifestantes ocuparam a Câmara dos Deputados de Curitiba ontem, como forma de protesto contra o PL 915/2011. Este projeto, de iniciativa do Executivo (nomeando os bois, Beto Richa), tem por objetivo qualificar as denominadas Organizações Sociais (OS’s). Elas consistem em pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Na prática, com a aprovação desta lei, o governo poderá delegar às OSs serviços de responsabilidade do setor público, como saúde e cultura.
Na verdade, trata-se de um fenômeno oriundo dos processos de privatização do setor público promovidos na presidência de Fernando Henrique Cardoso. As OSs estão previstas na Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998.
Já que o PL 915/2011 versa sobre OSs na saúde, devemos observar que o art. 23, inciso II, da Constituição Federal dispõe que “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”.
Além disso, saúde pública é uma responsabilidade do Estado e direito assegurado a todos os cidadãos por meio do art. 6º, também da Constituição Brasileira, que a prevê como um direito social (Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição).
Ideologias a parte, o que se deve ter em mente, sempre, é a melhoria da prestação deste serviço à população. È notório o problema da saúde pública não apenas no Paraná, mas por todo o país. Entretanto, o que devemos pensar é se realmente a solução ideal para este problema encontra-se na “privatização” da prestação de serviço e, sobretudo, a maneira pela qual está “solução” esta sendo implementada pela nossa Câmara Legislativa.
Primeiramente, será que o simples fato de repassar a responsabilidade – hoje nas mãos do Estado – à organizações privadas melhorará a qualidade do sérico público? Livrando-se da burocracia estatal, à princípio, se obteria uma saúde pública mais eficiente, com possibilidade de contratação de médicos, enfermeiros auxiliares, entre outros sem os entraves característicos dos cargos públicos. Entretanto, teríamos uma verdadeira “gestão privada do erário”. Ora, os dirigentes das OSs seriam escolhidos de forma privada, bem como poderiam livremente colocar qualquer pessoa para ocupar os cargos da OS. Claro que a lei delimitará esta gestão, bem como a Lei nº 9.637/98 já faz. Mas por ser um setor “terceirizado”, fora do serviço público, será que a fiscalização do poder público se tornaria mais difícil.
Além disso, não estarão sujeitos aos processos licitatórios. Se mesmo com o crivo das regras licitatórias enfrentamos diversos problemas e observamos vários casos de corrupção, será que a livre disposição de verbas públicas (por exemplo, destinadas à saúde, como será possibilitado com a aprovação do PL) nas mãos de dirigentes privados (pois não estão diretamente ligados ao estado, não são funcionários públicos), para gastarem da maneira que melhor entenderem, com uma fiscalização certamente mais tênue do Estado, não levará a criação de um sistema ainda mais fraudado (e com a mesma ou pior eficiência)?
Em segundo lugar, é questionável a maneira pela qual se está tentando aprovar este Projeto de Lei. O fato da TV Sinal, que transmite as seções legislativas da Câmara, ter simplesmente cortado a transmissão quando os manifestantes ocuparam o plenário, já nos diz alguma coisa. Por que não mostrar, afinal? Mas o que mais marcadamente se verificou foi o fato de se ter tentado uma rápida aprovação do PL, e sem qualquer consulta popular. O próprio presidente do Tribunal de Contas do Paraná, Fernando Guimarães, em entrevista à Gazeta doPovo, pronunciou-se sobre a não realização de audiências públicas para se discutir o teor do Projeto. “O projeto e as propostas de gestão nele inseridas mereceriam uma audiência pública, organizada e disciplinada em ambiente democrático e civilizado”.
Hoje, mais uma votação será realizada na ALEP na Capital. O desembargador aposentado e professor da UFMG, Márcio Túlio Vianna, declarou na audiência pública sobre a Terceirização empreendida pelo TST, que “nas ciências exatas fazemos, sobretudo, descobertas. Nas ciências jurídicas fazemos, sobretudo, escolhas”. Claro que todos queremos e “escolhemos” para nosso Estado uma saúde pública e gratuita de qualidade, afinal, é um direito social de todo cidadão. Mas será que a escolha que nossos “representantes” estão também “escolhendo” esse tipo de saúde pública?
Quem quiser saber um pouco mais sobre o assunto, saiu hoje no Paraná TV: http://g1.globo.com/videos/parana/t/paranatv-1-edicao/v/deputados-votam-hoje-projeto-sobre-os/1721288/

sábado, 19 de novembro de 2011

Manifesto contra a terceirização e em defesa dos direitos dos trabalhadores


Recomendo a assinatura, e peço ampla divulgação.

Divulgo as palavras da prof. Druck Faria, idealizadora desta manifestação: 
"Encaminho Manifesto contra a terceirização e em defesa dos direitos dos trabalhadores, desrespeitados sistematicamente por este procedimento. Este manifesto está sendo proposto por um grupo de participantes da Audiência Pública sobre terceirização convocada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que ocorreu nos dia 4 e 5 de outubro, e da qual fiz parte. Essa iniciativa teve como motivação as exposições realizadas na audiência pública, onde os representantes patronais defenderam a total liberalização da terceirização, conforme proposta no projeto do deputado Sandro Mabel no Congresso Nacional, que também esteve presente na audiência para defender o projeto e afirmou que este estava praticamente aprovado no congresso! A ideia é colher assinaturas e realizar uma atividade de lançamento do manifesto para a sociedade e para a imprensa. Estou convidando-os a tomar parte dessa iniciativa, assinando o manifesto e informando a profissão e filiação institucional". 


Sociólogos, juízes, procuradores do trabalho, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, Economistas. Muito tem apontado os prejuízos da terceirização, os problemas sociais e as mazelas que esse sistema tem trazido aos trabalhadores. Após a audiência pública realizada pelo TST, no inicio de outubro, ficou CLARA a posição de todos aqueles que se deparam e analisam as consequências da terceirização (sejam os acadêmicos que investigam, operadores do direito que lidam com isso, etc.) demonstram sua preocupação com a atual situação da terceirização no país.
Entretanto, esta para ser votado dia 23/11, quarta feira, uma lei direcionada para os interesses meramente empresariais, que pretende autorizar a terceirização em toda e qualquer atividade empresarial. Além disso, publicamente pronunciou-se o deputado Sandro Mabel, autor do PL, que “já tem um acordo pronto na Câmara e no Senado” ora votar favoravelmente a lei, o que, no mínimo, desrespeita os princípios democráticos. Afinal, para ele não precisa de diálogo, pois é o que o setor empresarial deseja e pronto, já esta tudo acordado e não será ouvida outros propostas e outros lados da moeda, como os trabalhadores. 

Repasso alguns vídeos da audiência pública, para que os leitores possam tomar consciência, por si próprios, dos PLs que estão em trânsito na Câmara (1º vídeo) e de alguns argumentos levantados pelos participantes (desembargadores, procuradores do trabalho, sindicalistas, professores, representantes dos empresários., etc). Quem tiver tempo e paciência, veja e reflita. E assine o Manifesto, claro. 




sábado, 15 de outubro de 2011

Quanto vale o direito do trabalho no Brasil

Trabalhadores da Foxconn, na China
            Depois de um considerável hiato, causado pelo comprometimento com vídeo aulas, aqui estou novamente. Lendo algumas notícias pela internet neste sábado chuvoso passei por duas que, em especial, chamaram minha atenção. A primeira, do blog do estimado Zanatta, a outra, da revista IstoÉ. Na realidade, uma me levou a outra. Tratam da “possível” vinda da empresa Foxconn, a fabricante dos produtos Apple,  para o Brasil.
            Na quinta-feira (13/10/11) o CEO da empresa esteve no Brasil para tratar dos negócios acerca da vinda desta para cá. Em sua maleta, trouxe direto de Taiwan uma tentadora proposta de R$ 12 Bilhões em investimentos para implantação de um polo industrial de 2,2 milhões de m² para produção de telas touchscreen para tablets por aqui. Na China, a Foxconn emprega cerca de 1 milhão de pessoas, 400 mil apenas na província de Shenzhen. Além disso, nesta mesma data, foi sancionada a Lei nº 12.507, carinhosamente apelidada de “Lei dos Tablets”, que gera incentivos fiscais que abaixarão os preços de celulares e tablets em cerca de 30%. 
            Para aqueles que tem um olhar não tão clínico (ou cínico?), ao lerem estas notícias, talvez digam: “Interessante. Giro de capital no país, Ipad e Iphone mais baratos, geração de emprego e renda. Não deve ser o melhor trabalho do mundo, mas traz desenvolvimento para o país”. Bom, analisemos, brevemente, o caso.
            Preambularmente, devemos ressaltar a estranha celeridade de aprovação desta Lei. Em 20 de maio, foi proposta como Medida Provisória, e em menos de 5 meses de trâmite legislativo, já foi sancionada e está valendo. Especulando um pouco, podemos imaginar o quanto de impostos uma empresa deste porte conduzirá aos cofres públicos, não sendo muito estranha esta, no mínimo, inusitada rapidez. O fenômeno da terceirização, que dia após dia tem crescido em nosso país como apontam alguns estudos, possui projetos de Lei que a anos tramitam pelas Casas legisladoras.
Outra reflexão que faço – a mais preocupante – diz respeito às intenções da Foxconn em solo canarinho. Eles querem instalar duas enormes fábricas no Brasil para a produção de gadgets, no modelo implantado na China e em Taiwan: as chamadas “cidades-fábrica”. Como destacou meu amigo Zanatta, tratam-se de linhas produtivas que utilizam-se de “turnos ininterruptos para suprir a demanda de produção (...) a cidade é a fábrica, nada mais. A prestação de serviços e comércio gira em torno da fábrica, que monta grande parte dos iPhones consumidos no mundo todo. Os trabalhadores são todos jovens de 20 a 30 anos, sem maiores perspectivas de vida. As taxas de suicídio nas "cidades-iPhone" são altas”. Alias, interessante notar que colocaram-se redes nos condomínios operários, para impedir que, se se jogassem pelas janelas, não morressem. Ou seja, o trabalho é grande, o poder da multinacional também, a produção é enorme, e a exploração é cruel.
Na verdade, nada muito diferente do que se pode encontrar aos montes no território chinês. Este modelo de produção lembrou-me o documentário “China Blue”, de 2007. Nele, alguns repórteres disfarçados acompanharam cerca de um ano da vida de uma menina de 16 anos que migrou do zona rural da China em busca de um trabalho na cidade (a mesma realidade de muitos trabalhadores do país, inclusive da Foxconn). No filme, ficou evidente a intensa exploração do trabalho que está por traz das calças Jeans de marcas como Calvin Klein e Tommy Hilfiger (sim, não é apenas a Zara, amigos...). Além de jornadas que começam às 7 da manhã até às 19 (quando costumam começar as horas extras, indo até 2 ou 3 da manhã), os funcionários só podem comer no refeitório da empresa (e a comida, claro, é sempre descontada do salário), os primeiros salários são segurados para que os trabalhadores não fujam da fábrica (salários estes, por volta de 0,06 dollares/hora), etc.
Bom, dirão alguns, “isto acontece lá na China, onde praticamente não há direitos trabalhistas, o governo é ditatorial, etc”. Neste momento que a preocupação me atinge: porque, agora, a Foxconn está querendo vir pro Brasil? Logo pra cá? Uma empresa deste porte, que ganha bilhões em cima deste tipo de exploração do trabalho, e que precisa deste sistema de produção, está entrando no pais apenas pelo incentivo fiscal? Ou estará também visando eventuais “vistas grossas” da lei trabalhista para adentrar com estes métodos de produção aqui? E qual a atitude do governo em relação a isto? Isenção fiscal, incentivando ao máximo a entrada desta empresa, e nenhuma precaução trabalhista?
Não quero, de maneira alguma, “satanizar” a Foxconn. Sem ela, provavelmente não teríamos Apple no mundo. Mas antes de cair no cômodo olhar à curta distancia, que enxerga apenas o mundinho de classe-média que nos cerca (onde serei beneficiado por I-gadgets mais baratos) pensar nas dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores que estarão lá, provavelmente longe da minha casa, trabalhando em condições sabe Deus quais, é de suma importância. Jirau está ai para nos dizer que quanto maior a exploração, maior é a reação.
         Neste momento, pergunto: quanto vale o direito do trabalho para o governo? Até que ponto esse desenvolvimento gerará emprego e renda verdadeiramente, e não miséria e possíveis suicídios? Será que a admissão deste tipo de empresa no país está levando em conta os milhares de trabalhadores que vão submeter-se a este sistema de produção? A proposta de trazer as grandes montadoras automobilísticas, começadas por Juscelino Kubitschek e levadas a diante pela Ditadura Militar, tinha uma proposta semelhante. Desenvolver 50 anos em 5, passava por abrir as portas do Brasil às grandes multinacionais para que abocanhassem um mercado interno ainda em gestação. O resultado, é que o bolo cresceu, mas cresceu ainda mais a dívida externa, a inflação, a dependência da indústria estrangeira, diminuíram os salários e gerou-se um quadro tal de exploração que deu causa a maior greve operária de toda a história brasileira, no ABC. Mas isto é uma outra história. Mencionando Cazuza, só espero não ver “o futuro repetir o passado”, nem “um museu de grandes novidades” (agora, I-tecnológicas).


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Súmula 363 TST: Não existe corrupção sem corruptor?

            Em alguma aula de direito administrativo sobre processos licitatórios, falava o professor que um dos principias problemas da lei brasileira é não punir os corruptores quando há escândalos envolvendo a Administração Pública. Explicava que quando alguma licitação é superfaturada (e o Contorno Norte está ai pra comprovar isso), a legislação pune apenas o corrompido: aquele que surrupiou o dinheiro público para si. Mas e quanto a todos ou outros que participaram da falcatrua? O funcionário que faz vista grossa a números exorbitantes nas contas públicas, prefeitos que “inocentemente não enxergaram” problemas com a empresa que ganhou a licitação, apesar dela ser de algum parente seu, etc.? Bem, normalmente saem ilesos. 

Infelizmente, quando falamos sobre a máquina pública no Brasil, falamos sobre um ente extremamente privilegiado. Nos frívolos vai e vens da internet, acabei lendo algumas decisões de tribunais baseadas na Súmula 363 do Tribunal Superior do Trabalho (TST)[1]. Para os que não sabem, ela trata do trabalho no serviço publico quando se contrata funcionários sem concurso, dizendo que “A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”. Traduzindo: se você trabalha para o Estado e não é concursado, dê adeus aos seus direitos trabalhistas com exceção do salário e fundo de garantia.
E é ai que entra a mordomia pública.
Não me posiciono contra o concurso público, pois penso que ele é um meio democrático de selecionar empregados para a Administração Pública. Aliás, ressalto que é importante que o Estado zele pela correta realização dos concursos públicos, combatendo e prevenindo fraudes de qualquer natureza. Também não critico o trabalhador que labora nestas condições, haja visto que muitas vezes é o emprego que conseguiu para colocar o pão em sua mesa.
O problema que ELE é quem paga pela anômala contratação feita pelo Estado. Edita-se uma lei criando novos postos de trabalho, pessoas começam a trabalhar (afinal, a Administração Pública desfruta de presunção de legalidade dos atos administrativos por lei, existindo, logo, presunção de que a lei é constitucional), e quando estas pessoas reclamam seus direitos, a lei diz “Não! Afinal, vocês não tem concurso público”. Devo resaltar que em uma das decisões que li (veja aqui) o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª região entendeu que, apesar de nulo o contrato de trabalho em virtude da irregularidade, o Estado deveria pagar todos os valores referentes aos débitos trabalhistas a título de indenização. Afinal, quem fez a coisa da maneira incorreta não foram os trabalhadores. Entretanto, basta ingressar com recurso ao TST para que estas indenizações sejam anuladas.
O privilégio do Estado é evidente nestes casos. Contrata irregularmente seus funcionários e estes tem seus direito reduzidos, por força de lei, em virtude desta contratação irregular. É como se o ente público não tivesse condições de saber que estava fraudando a relação de emprego, ou seja, como se nunca agisse de má-fé ou com intuito de contornar passivos trabalhistas. Em suma, a lei obriga todos os empregadores do país a pagarem os débitos laborais, e libera a barra da Administração Pública. Ela obedece a CLT se quiser obedecer. Respeita o art. 2º da Lei 8.112/97 (não proporcionando aos empregados a devida “investidura” no cargo público) se quiser respeitar também. Se não, ficam livres para criar cargos sem concurso, ao arrepio da lei, utilizam-se da mão de obra destes trabalhadores, e depois se valem da mesma Justiça para negarem qualquer pagamento além do salário pelos dias efetivamente trabalhados e FGTS referente a este tempo de serviço.
Pode até ser que o Estado seja processado e condenado em juízo por enriquecimento ilícito, ao subtrair tais direitos por meio desta contratação irregular. Mas o empregado que labutou... não verá a cor do dinheiro desta condenação que, como bem sabemos, provavelmente demorará um bom tempo tramitando na Justiça. Não entendo como pode ser coerente que aquele que frauda a relação de emprego se desonere de indenizar o fraudado. Talvez possa parecer exagerado dizer que o empregado é punido na aplicação da Súmula 363 do TST, mas certo é reconhecer que, no mínimo, é a parte injustamente onerada. Sabias as palavras do professor de administrativo: “Não existe corrupção sem corruptor”, entretanto, o corruptor é privilegiado.


[1] Quem tiver a curiosidade de ler, clique aqui, aqui, aqui.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Terceirização no setor Têxtil em Santa Catarina


O fenômeno da terceirização, devo confessar, é um tema que tem me intrigado há algum tempo. Percebo que nas aulas de direito do trabalho, nos preocupamos em determinar o que “pode” ou “não pode” pela lei, o que o legislador quis dizer aqui e ali, entre outras reflexões do gênero. Entretanto, raramente somos impelidos a refletir sobre casos concretos, isto é, o que tem ocorrido de fato no mundo do trabalho terceirizado. Quais seriam os reflexos para a produtividade da empresa, ao controle de qualidade, em relação à precarização do trabalho, em suma, coisas ligadas ao cotidiano de empregados e empregadores que lidam com ela no dia-a-dia?
Movido por este ímpeto de curiosidade, dediquei-me no intervalo das atividades de meu estágio à leitura de um artigo a respeito do assunto. Trata-se de uma pesquisa[1] que analisou as mudanças que a terceirização trouxe a uma empresa do ramo do vestuário em Santa Catarina. A autora, partindo de uma dissertação de mestrado[2] de 1995 a respeito das condições de trabalho de uma empresa, voltou ao mesmo local pesquisado para constatar mudanças ocorridas ali. Verificou-se que a terceirização acarretou em precarização do trabalho, quando comparado às condições que tinham os trabalhadores em 1995 e os de 2007.
Trata-se de um texto bem rico, que renderia paginas e páginas de discussão neste blog. Em suma, a autora apresentou quatro aspectos que mudaram em relação à organização do trabalho ao longo de doze anos: o controle sobre a qualidade, o controle sobre a produtividade, a multifuncionalidade dos trabalhadores e o trabalho em equipe.
O controle sobre a qualidade tornou-se muito maior. Quando entrevistados, os trabalhadores revelaram que qualquer pequeno erro nas peças costuradas já se torna motivo para que a peça toda seja reformulada. Além disso, peças defeituosas deveriam ser descontadas do salário dos trabalhadores pelo preço de fábrica (e não pelo preço que as seções pagavam aos trabalhadores pela feitura da mesma, evidentemente muito menor). Quem teve a oportunidade de assistir o programa “A Liga”, exibido dia 16/08, observou que nos casos de trabalho escravo verificados nas oficinas terceirizadas da Zara, ocorriam semelhantes procedimentos.
Quanto à produtividade, a autora revelou serem muito mais rígidas do que anos antes. Isto porque o antigo sistema de cronometragem (onde se cronometrava o tempo médio de feitura de uma peça, para que se estabelecesse um ritmo de produção), que cadenciava a produção, foi substituído por um sistema de metas. Assim, intensificou-se a produção, pois agora tem metas a cumprir que lhes impõe um desgaste maior do trabalhador, que tem que se desdobrar para cumprir as cotas de produção ao invés de preocupar-se apenas com seu trabalho. É um controle mais sofisticado: ao invés de exigir-se mais de cada funcionário, individualmente, coloca-se sobre os ombros de todo o grupo para que se arrumem da maneira que for preciso para alcançar a produção delimitada.
A partir deste item, entendemos a 3º mudança levantada pela autora: a multifuncionaridade. Obsevou que as empresas não estão mais preocupadas em contratar funcionários com saberes específicos, mas encontrar trabalhadores que conseguem fazer de tudo um pouco. Ora, se a intensificação do trabalho já se evidencia através do controle mais rígido sobre a produção e qualidade, o crescimento de empregados com características multifuncionais só vem a acrescentar neste sentido. Com o funcionário “flexível”, os trabalhadores não tem mais suas funções delimitadas. Ao contrário, trabalham em tudo, de modo que todos são responsáveis pela produção como um todo, eliminando as divisões especializadas.
Somando-se a estes, a produção de forma terceirizada ainda se dá por meio de equipes. Esta é mais uma forma de retirar a individualidade do trabalho e repassa-la para um grupo de trabalhadores. As costureiras mais antigas, revela a pesquisa, disseram considerar o trabalho em 1995 mais fácil, pois se preocupavam apenas com o seu trabalho. Com os pedidos sendo feitos em metas, o controle sobre a qualidade sendo mais intenso, o empregado tendo que se preocupar com diversas outras atividades além daquela pela qual foi contratado, com cobranças sobre um grupo cada vez mais impessoais, forma-se a mistura do bolo “terceirização”.
A autora, portanto, nos traz algumas luzes a repeito do que este fenômeno trouxe aos trabalhadores daquela empresa. A proteção ao trabalhador, principio basilar do direito do trabalho, parece não ser a meta que vem atingindo a utilização de empresas interpostas. A utilização das oficinas de costura apenas demonstrou uma significativa intensificação do trabalho, e um aumento do desemprego (já que o quadro de funcionários caiu de 455 em 1993 para 79 e 15 facções de terceirizados em 2007) mostrando-se contraditória em relação aos fins do aludido principio.


[1] Pesquisa publicada na revista “Trabalho Necessário”, nº 10, ano 8 (2010), resultado da dissertação de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina de Vilma Marta Caleffi (disponível no site: http://www.uff.br/trabalhonecessario/)
[2]RABELO, Giani. Trabalho Arcaico no Moderno Mundo da Moda. Dissertação de Mestrado, UFSC,1997. Nesta pesquisa, o autor constatou quais eram as condições laborais e a forma de organização do trabalho de uma determinada empresa de costura, em 1995.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Se a Reitoria não é boa anfitriã, os estudantes invadem!


Em seu livro “Crescer, Os Três Movimentos da Vida Espirítual”, Henri Nouwen nos diz que somente aquele que é pobre de coração pode ser um bom anfitrião[1]. Na verdade, o que o autor está querendo nos dizer é que um “bom anfitrião”, isto é, uma pessoa “mente aberta”, alguém que possui humildade para abrir seu coração à novas idéias, à conceitos desprendidos de conveniências sociais, etc... deve ser “pobre de coração”. Este termo não é pejorativo, haja visto que, por serem pessoas que não têm muito o que perder, ao contrário daqueles que tem muita coisa à zelar, acabam sendo os mais abertos ao novo. Assim, a pobreza seria a medida da boa hospitalidade, da boa recepcionalidade. Quanto mais coisas ou convicções possui o indivíduo, mais considera outras idéias como ameaças, e acaba refutando tudo aquilo que vem de fora para manter protegido aquilo que já interiorizou.
Antes de prosseguir, devo fazer uma breve ressalva. O autor, na verdade, trata da recepcionalidade das idéias cristãs em nossa vida. Ao ser citado pelo pastor Marcelo Gomes, da IPI de Maringá (a qual frequento), Nouwen foi citado para explicar que o verdadeiro cristão deve ser aquele que não se prende à cerimônias ou ritualísticas, mas que está sempre de coração aberto à Graça, ao plano que Deus tem para nossas vidas.
Bom, questões de fé a parte, ao ouvir a pregação não pude deixar de refletir à respeito do que anda ocorrendo na UEM. Recentemente (sexta-feira, 26/08), a reitoria da Universidade foi ocupada pelos estudantes. Este ato se deu, todavia, como forma de manifestação após diversas revindicações e tentativas “amigáveis” de melhorias para o RU, em contrapartida ao corte no repasse de verbas de 38% às universidades estaduais do Paraná pelo governo estadual. O estudante Celso, em entrevista postada no blog criado pelo Movimento, declarou que “a gente vem desde o começo do ano entregando uma série de reivindicações, cartas de reivindicações pro reitor, viemos fazendo reuniões com a reitoria, abaixo-assinados, diversas maneiras, diversos modos de negociação foram tentados”. O reitor, todavia, não demonstrou nenhum indício de que cumpriria as reivindicações propostas pelos estudantes.
A solução encontrada pela reitoria foi repassar isso para frente, isto é, cortar gastos, não contratar funcionários efetivos, não atender às reivindicações feitas desde o começo do ano pelo DCE etc. Além disso, aumentou-se o número de cursos, logo, de estudantes, e nada foi feito para melhorar as estruturas no campus. Em suma, a situação é a seguinte: o governo cortou em torno de 2,9 milhões de reais no repasse de verbas à UEM, enquanto precisava destes recursos para melhorar sua estrutura. Alguém teria que arcar com a míngua. Ao invés de se mobilizar, buscar reverter essa situação, o reitor acomodou-se nos meios “administrativos”, burocráticos, apenas encaminhando a carta de reivindicações dos estudantes ao governados e repassando o corte de verbas para funcionários e alunos. Foi neste empasse que, sem perspectivas de mudanças, os estudantes decidiram por mobilizar-se e partir para uma ação mais direta.
O reitor, entretanto, não tardou em denominar a ação como “vandalismo”, e a mídia tradicional maringaense tratou de pintar os estudantes como “baderneiros” depredando patrimônio público. Paro e penso: será que nosso reitor tem sido um bom anfitrião aos reclames dos estudantes e trabalhadores do RU, ou simplesmente tem políticas demais, interesses demais já consolidados para tentar resolver a situação do Restaurante?
Ao que parece, sair desta esfera meramente formal de exigir as coisas soa como absurdo para alguns. Quando bancos ou grandes corporações entram nos caminhos da bancarota, vemos como normal o governo se mostrar solicito e mandar recursos ou cirar insentivos fiscais para que estes não quebrem. Ao tratar da educação, todavia, o governo de Beto Richa cortou gastos e decretou um “se virem” às universidades estaduas paranaenses. A reitoria, ao invés de buscar pressionar esse governo, para que esta situação pudesse se reverter, concentrou-se apenas no seu problema: a falta imediata de recursos.
Não obstante, tenho visto estudantes da prórpia UEM sendo contra esse movimento. Eu não consigo enteder o porque. Estando contra ou a favor, se o movimento sair triunfante, todos os estudantes serão privilegiados. Se não der certo, o máximo que pode acontecer, é continuar do jeito que está. Os argumentos são diversos. Uns dizem que é porque existem aproveitadores no meio querendo divulgar outros movimentos, outros dizem que ao invés de reivindicar, os estudantes deveriam se conformar com o que tem, porque, afinal, muita gente mesmo não tendo recursos conseguiu se destacar (olhe que absurdo!), outros ainda que não representam a maioria dos estudantes (como se possível fosse representar tudo e todos, e como se o reitor assim o fizesse...), fazem tempestade no copo d’agua com a questão de “depredação de patrimônio público (que se resumiu a uma porta, que ja esta sendo concertada pelos estudantes), ouvi inclusive a respeito de manifestações que deveriam ter “fundamento legal”.
Enquanto os estudantes que estão ocupando a reitoria, assim o fazem em prol de melhorias para toda a faculdade, e não apenas à si próprios. O reitor, porém, apenas encaminhou formalmente o documento de reivindicações à Flavio Arns. No mínimo, um péssimo anfitrião aos interesses da Instituição. Por outro lado, os estudantes estão dando uma “aula de ciência política, na prática”, como diz o prof Antonio Ozaí, ao organizar um movimento buscando melhorias para toda a Universidade. Estes sim, estão sendo excelentes hospitaleiros das necessidades do campus. Devemos tomar cuidado para não interpretarmos a ocupação de acordo com estereótipos e não agirmos com puro preconceito, sob pena de condenarmos aqueles que estão sendo os verdadeiros anfitriões das necessidades da Universidade.


[1] NOUWEN, Henri. Crescer, Os Três Movimentos da Vida Espirítual. Paulinas, p. 99-103

Introdução

Ola pessoal
Ja dizia Karl Marx que "os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo”. De que adianta formular questões, conceitos, dar voltas e voltas, e não sair do lugar?
Com este blog, pretendo dividir algumas idéias com o leitor, na perspectiva de repensar as relações de trabalho, e fatos do nosso cotidiano em geral. Acho que os meios acadêmicos muito tem contribuido para debates e críticas, mas muitas idéias ficam restritas àqueles que fazem parte do meio, não descem do pedestal dos catedráticos... Assim, não podemos mudar nossa realidade desta meneira.
Sem mais delongas, deixo um trecho do Lobo da Estepe de Hermann Hesse: “A maioria dos homens não quer nadar antes que o possa fazer. Não é engraçado? Naturalmente, não quer nadar. Nasceram para andar na terra, e não na água. E, naturalmente, não querem pensar: foram criados para viver e não para pensar! Isto mesmo. E quem pensa, quem faz do pensamento sua principal atividade, pode chegar muito longe com isso”.
Vamos nadar um pouco?