O fenômeno da terceirização, devo confessar, é um tema que tem me intrigado há algum tempo. Percebo que nas aulas de direito do trabalho, nos preocupamos em determinar o que “pode” ou “não pode” pela lei, o que o legislador quis dizer aqui e ali, entre outras reflexões do gênero. Entretanto, raramente somos impelidos a refletir sobre casos concretos, isto é, o que tem ocorrido de fato no mundo do trabalho terceirizado. Quais seriam os reflexos para a produtividade da empresa, ao controle de qualidade, em relação à precarização do trabalho, em suma, coisas ligadas ao cotidiano de empregados e empregadores que lidam com ela no dia-a-dia?
Movido por este ímpeto de curiosidade, dediquei-me no intervalo das atividades de meu estágio à leitura de um artigo a respeito do assunto. Trata-se de uma pesquisa[1] que analisou as mudanças que a terceirização trouxe a uma empresa do ramo do vestuário em Santa Catarina. A autora, partindo de uma dissertação de mestrado[2] de 1995 a respeito das condições de trabalho de uma empresa, voltou ao mesmo local pesquisado para constatar mudanças ocorridas ali. Verificou-se que a terceirização acarretou em precarização do trabalho, quando comparado às condições que tinham os trabalhadores em 1995 e os de 2007.
Trata-se de um texto bem rico, que renderia paginas e páginas de discussão neste blog. Em suma, a autora apresentou quatro aspectos que mudaram em relação à organização do trabalho ao longo de doze anos: o controle sobre a qualidade, o controle sobre a produtividade, a multifuncionalidade dos trabalhadores e o trabalho em equipe.
O controle sobre a qualidade tornou-se muito maior. Quando entrevistados, os trabalhadores revelaram que qualquer pequeno erro nas peças costuradas já se torna motivo para que a peça toda seja reformulada. Além disso, peças defeituosas deveriam ser descontadas do salário dos trabalhadores pelo preço de fábrica (e não pelo preço que as seções pagavam aos trabalhadores pela feitura da mesma, evidentemente muito menor). Quem teve a oportunidade de assistir o programa “A Liga”, exibido dia 16/08, observou que nos casos de trabalho escravo verificados nas oficinas terceirizadas da Zara, ocorriam semelhantes procedimentos.
Quanto à produtividade, a autora revelou serem muito mais rígidas do que anos antes. Isto porque o antigo sistema de cronometragem (onde se cronometrava o tempo médio de feitura de uma peça, para que se estabelecesse um ritmo de produção), que cadenciava a produção, foi substituído por um sistema de metas. Assim, intensificou-se a produção, pois agora tem metas a cumprir que lhes impõe um desgaste maior do trabalhador, que tem que se desdobrar para cumprir as cotas de produção ao invés de preocupar-se apenas com seu trabalho. É um controle mais sofisticado: ao invés de exigir-se mais de cada funcionário, individualmente, coloca-se sobre os ombros de todo o grupo para que se arrumem da maneira que for preciso para alcançar a produção delimitada.
A partir deste item, entendemos a 3º mudança levantada pela autora: a multifuncionaridade. Obsevou que as empresas não estão mais preocupadas em contratar funcionários com saberes específicos, mas encontrar trabalhadores que conseguem fazer de tudo um pouco. Ora, se a intensificação do trabalho já se evidencia através do controle mais rígido sobre a produção e qualidade, o crescimento de empregados com características multifuncionais só vem a acrescentar neste sentido. Com o funcionário “flexível”, os trabalhadores não tem mais suas funções delimitadas. Ao contrário, trabalham em tudo, de modo que todos são responsáveis pela produção como um todo, eliminando as divisões especializadas.
Somando-se a estes, a produção de forma terceirizada ainda se dá por meio de equipes. Esta é mais uma forma de retirar a individualidade do trabalho e repassa-la para um grupo de trabalhadores. As costureiras mais antigas, revela a pesquisa, disseram considerar o trabalho em 1995 mais fácil, pois se preocupavam apenas com o seu trabalho. Com os pedidos sendo feitos em metas, o controle sobre a qualidade sendo mais intenso, o empregado tendo que se preocupar com diversas outras atividades além daquela pela qual foi contratado, com cobranças sobre um grupo cada vez mais impessoais, forma-se a mistura do bolo “terceirização”.
A autora, portanto, nos traz algumas luzes a repeito do que este fenômeno trouxe aos trabalhadores daquela empresa. A proteção ao trabalhador, principio basilar do direito do trabalho, parece não ser a meta que vem atingindo a utilização de empresas interpostas. A utilização das oficinas de costura apenas demonstrou uma significativa intensificação do trabalho, e um aumento do desemprego (já que o quadro de funcionários caiu de 455 em 1993 para 79 e 15 facções de terceirizados em 2007) mostrando-se contraditória em relação aos fins do aludido principio.
[1] Pesquisa publicada na revista “Trabalho Necessário”, nº 10, ano 8 (2010), resultado da dissertação de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina de Vilma Marta Caleffi (disponível no site: http://www.uff.br/trabalhonecessario/)
[2]RABELO, Giani. Trabalho Arcaico no Moderno Mundo da Moda. Dissertação de Mestrado, UFSC,1997. Nesta pesquisa, o autor constatou quais eram as condições laborais e a forma de organização do trabalho de uma determinada empresa de costura, em 1995.
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