sábado, 15 de outubro de 2011

Quanto vale o direito do trabalho no Brasil

Trabalhadores da Foxconn, na China
            Depois de um considerável hiato, causado pelo comprometimento com vídeo aulas, aqui estou novamente. Lendo algumas notícias pela internet neste sábado chuvoso passei por duas que, em especial, chamaram minha atenção. A primeira, do blog do estimado Zanatta, a outra, da revista IstoÉ. Na realidade, uma me levou a outra. Tratam da “possível” vinda da empresa Foxconn, a fabricante dos produtos Apple,  para o Brasil.
            Na quinta-feira (13/10/11) o CEO da empresa esteve no Brasil para tratar dos negócios acerca da vinda desta para cá. Em sua maleta, trouxe direto de Taiwan uma tentadora proposta de R$ 12 Bilhões em investimentos para implantação de um polo industrial de 2,2 milhões de m² para produção de telas touchscreen para tablets por aqui. Na China, a Foxconn emprega cerca de 1 milhão de pessoas, 400 mil apenas na província de Shenzhen. Além disso, nesta mesma data, foi sancionada a Lei nº 12.507, carinhosamente apelidada de “Lei dos Tablets”, que gera incentivos fiscais que abaixarão os preços de celulares e tablets em cerca de 30%. 
            Para aqueles que tem um olhar não tão clínico (ou cínico?), ao lerem estas notícias, talvez digam: “Interessante. Giro de capital no país, Ipad e Iphone mais baratos, geração de emprego e renda. Não deve ser o melhor trabalho do mundo, mas traz desenvolvimento para o país”. Bom, analisemos, brevemente, o caso.
            Preambularmente, devemos ressaltar a estranha celeridade de aprovação desta Lei. Em 20 de maio, foi proposta como Medida Provisória, e em menos de 5 meses de trâmite legislativo, já foi sancionada e está valendo. Especulando um pouco, podemos imaginar o quanto de impostos uma empresa deste porte conduzirá aos cofres públicos, não sendo muito estranha esta, no mínimo, inusitada rapidez. O fenômeno da terceirização, que dia após dia tem crescido em nosso país como apontam alguns estudos, possui projetos de Lei que a anos tramitam pelas Casas legisladoras.
Outra reflexão que faço – a mais preocupante – diz respeito às intenções da Foxconn em solo canarinho. Eles querem instalar duas enormes fábricas no Brasil para a produção de gadgets, no modelo implantado na China e em Taiwan: as chamadas “cidades-fábrica”. Como destacou meu amigo Zanatta, tratam-se de linhas produtivas que utilizam-se de “turnos ininterruptos para suprir a demanda de produção (...) a cidade é a fábrica, nada mais. A prestação de serviços e comércio gira em torno da fábrica, que monta grande parte dos iPhones consumidos no mundo todo. Os trabalhadores são todos jovens de 20 a 30 anos, sem maiores perspectivas de vida. As taxas de suicídio nas "cidades-iPhone" são altas”. Alias, interessante notar que colocaram-se redes nos condomínios operários, para impedir que, se se jogassem pelas janelas, não morressem. Ou seja, o trabalho é grande, o poder da multinacional também, a produção é enorme, e a exploração é cruel.
Na verdade, nada muito diferente do que se pode encontrar aos montes no território chinês. Este modelo de produção lembrou-me o documentário “China Blue”, de 2007. Nele, alguns repórteres disfarçados acompanharam cerca de um ano da vida de uma menina de 16 anos que migrou do zona rural da China em busca de um trabalho na cidade (a mesma realidade de muitos trabalhadores do país, inclusive da Foxconn). No filme, ficou evidente a intensa exploração do trabalho que está por traz das calças Jeans de marcas como Calvin Klein e Tommy Hilfiger (sim, não é apenas a Zara, amigos...). Além de jornadas que começam às 7 da manhã até às 19 (quando costumam começar as horas extras, indo até 2 ou 3 da manhã), os funcionários só podem comer no refeitório da empresa (e a comida, claro, é sempre descontada do salário), os primeiros salários são segurados para que os trabalhadores não fujam da fábrica (salários estes, por volta de 0,06 dollares/hora), etc.
Bom, dirão alguns, “isto acontece lá na China, onde praticamente não há direitos trabalhistas, o governo é ditatorial, etc”. Neste momento que a preocupação me atinge: porque, agora, a Foxconn está querendo vir pro Brasil? Logo pra cá? Uma empresa deste porte, que ganha bilhões em cima deste tipo de exploração do trabalho, e que precisa deste sistema de produção, está entrando no pais apenas pelo incentivo fiscal? Ou estará também visando eventuais “vistas grossas” da lei trabalhista para adentrar com estes métodos de produção aqui? E qual a atitude do governo em relação a isto? Isenção fiscal, incentivando ao máximo a entrada desta empresa, e nenhuma precaução trabalhista?
Não quero, de maneira alguma, “satanizar” a Foxconn. Sem ela, provavelmente não teríamos Apple no mundo. Mas antes de cair no cômodo olhar à curta distancia, que enxerga apenas o mundinho de classe-média que nos cerca (onde serei beneficiado por I-gadgets mais baratos) pensar nas dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores que estarão lá, provavelmente longe da minha casa, trabalhando em condições sabe Deus quais, é de suma importância. Jirau está ai para nos dizer que quanto maior a exploração, maior é a reação.
         Neste momento, pergunto: quanto vale o direito do trabalho para o governo? Até que ponto esse desenvolvimento gerará emprego e renda verdadeiramente, e não miséria e possíveis suicídios? Será que a admissão deste tipo de empresa no país está levando em conta os milhares de trabalhadores que vão submeter-se a este sistema de produção? A proposta de trazer as grandes montadoras automobilísticas, começadas por Juscelino Kubitschek e levadas a diante pela Ditadura Militar, tinha uma proposta semelhante. Desenvolver 50 anos em 5, passava por abrir as portas do Brasil às grandes multinacionais para que abocanhassem um mercado interno ainda em gestação. O resultado, é que o bolo cresceu, mas cresceu ainda mais a dívida externa, a inflação, a dependência da indústria estrangeira, diminuíram os salários e gerou-se um quadro tal de exploração que deu causa a maior greve operária de toda a história brasileira, no ABC. Mas isto é uma outra história. Mencionando Cazuza, só espero não ver “o futuro repetir o passado”, nem “um museu de grandes novidades” (agora, I-tecnológicas).


Um comentário:

  1. Lucas, sua reflexão é excelente. Vamos acompanhar de perto, me parece que as negociações com a região metropolitana de Maringá estão avançandas, no sentido de construir entre Londrina e Maringá uma "cidade-inteligente/cidade-fábrica".

    Um abraço!

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