Como dizia Vinicius de Moraes em sua canção “Cotidiano nº 2”, “Aos sábados em casa tomo um porre e sonho soluções fenomenais, mas quando o sono vem e a noite morre o dia conta histórias sempre iguais”. Infelizmente, nossos dias ainda contam muitas histórias iguais. É comum que algumas políticas públicas que busquem soluções para determinados impasses sociais sejam contornadas e criem novas situações para serem resolvidas. Quem assistiu o filme “Tropa de Elite 2”, e posteriormente acompanhou a irritante cobertura que foi dada à ocupação do Morro do Alemão por determinada rede de televisão, compreende onde quero chegar. Por mais que a “propaganda” midiática da ocupação de favelas tenha mostrado-se como uma “salvação”, um passo indispensável para o combate ao trafico, a mera exterminação do traficante não representa nenhum arranhão no problema. Ineficiência do Estado “concertada” com demagogo corretivo. Esse foi o recado do diretor José Padilha. Em muitos casos os próprios policiais criam milícias e dominam o trafico antes dominado pelos traficantes. Matar todos os traficantes, por vezes, resulta apenas em outro problema.
Críticas a parte à ocupação do Morro do Alemão, sabemos que nem sempre que o Estado procura harmonizar algum desequilíbrio social, gera novos problemas. Algumas soluções que encontram guarida no seio institucional tornam o agir estatal de grande valia para a população. Foi assim que, em consonância com seus deveres institucionais, a Procuradoria do Trabalho no Município de Maringá (PTM) buscou um diálogo com diversas associações empresariais e sindicatos da categoria profissional relacionados à cultura da mandioca para impedir irregularidades no trabalho neste setor.
O cultivo da mandioca, sobretudo no Paraná, caracteriza-se em sua grande maioria por pequenos agricultores, normalmente arrendatários. O que poucos sabem é que este setor tem sido extremamente atingido pelo problema da informalidade. Após diversas fiscalizações realizadas em municípios no noroeste paranaense, os procuradores do trabalho e auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) depararam-se com níveis alarmantes de informalidade e precariedade das condições de trabalho no plantio e colheita da mandioca, em farinheiras e fecularias. Além da falta de registro em carteira, foram verificados diversos casos de absoluto descumprimento de normas de saúde e segurança no trabalho, transportes de trabalhadores inseguros (alguns transportando combustíveis com os trabalhadores), nenhum fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI), intermediação de mão de obra por meio de “gatos”, e até uma propriedade onde o pessoal da colheita retirava da terra a mandioca em meio à capim pegando fogo (isso mesmo: arrancavam as raízes com suas próprias mãos enquanto o capim pegava fogo no solo).
O primeiro passo dado consistiu em agendar-se diversas audiências e reuniões com representantes das indústrias, das farinheiras, fecularias, agricultores e sindicatos do ramo, com intuito de dialogar e buscar soluções junto a estes setores para a efetiva regularização da atual situação dos obreiros rurais, bem como a responsabilização das indústrias e farinheiras, para que não comprem matérias-primas fruto de descumprimento de normas de natureza trabalhista e de lesão de direitos fundamentais dos trabalhadores.
Seminário da Cadeia Produtiva da Mandioca realizado em Paranavaí, procurou ouvir opinião dos produtores de mandioca acerca da formalização em carteira de trabalho. Fonte: http://www.fetaep.org.br |
Tendo como premissas que contratos e condições de trabalho regulares, agricultores conscientes, e a observância da boa procedência da matéria-prima pelas indústrias sejam uma realidade, o MPT em conjunto com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná (FETAEP) estão empenhados em um projeto de fiscalização móvel para que as propriedades produtoras da mandioca sejam devidamente fiscalizadas e adequadas às normas trabalhistas. Trata-se de uma força-tarefa com o intuito de fazer valer o ordenamento jurídico trabalhista a este tão castigado setor.
Importante salientar-se que por meio deste projeto o Ministério Público do Trabalho tem buscado não apenas zelar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis dos trabalhadores rurais da lavoura da mandioca, mas também zelar pela própria ordem jurídica, como prevê o art. 127 da Constituição Federal. Isto porque nosso ordenamento jurídico estabelece os institutos da função social do contrato e da responsabilidade social da empresa devem ser observados pelo empresariado, e na cultura da mandioca não pode ser de outra maneira.
Por fim, saliente-se que política pública nenhuma é ou será capaz de solucionar problemas sociais por completo. Talvez em uma sociedade ideal, como em Castália[1], as mazelas sociais pudessem ser solucionadas em sua essência através da “burocracia estatal” (nos termos de Max Weber). Como vivemos em uma sociedade de homens, e não de anjos ou de sábios iluminados, devemos fazer consigam, pelo menos, alcançar direitos fundamentais para os cidadãos. Iniciativas como esta, direcionadas aos trabalhadores da mandioca, só tendem a acrescentar à sociedade. Sabemos que existem muitos conflitos no âmbito do trabalho especialmente na zona rural, onde prevalecem a informalidade e a desinformação em muitos casos (não restringindo-se apenas ao cultivo da mandioca). Entretanto, não se pode ficar paralisado perante a grandeza do problema, e assim tem trabalhado o MPT, para que pelo menos, esses trabalhadores não tenham soluções apenas em “sonhos” ou “porres”.
[1] “Castália” é uma província fictícia criada pelo escritor alemão Hermann Hesse, no livro “O Jogo das Contas de Vidro”. Trata-se de uma espécie de “república de acadêmicos” extremamente organizada e hierarquizada, um ambiente onde imperava a racionalidade e as pessoas possuíam um amor imanente à sabedoria e ao conhecimento. A única ocupação de seus habitantes é o profundo estudo das mais diversas disciplinas, sobretudo matemática e música. Também denominada “Província Pedagógica” é um lar de intelectuais que não ocupam suas vidas com outra coisa que não seja o profundo estudo dos temas que escolheram.